Texto da Subcomissão de Conteúdo do Comitê Organizador, divulgado em 2012:
Museus (memória + criatividade) = mudança social
Os museus desejam e trabalham para a mudança. A equação matemática que inspira a 23a Conferência Geral do ICOM aponta que este trabalho surge de uma composição entre o frescor criativo e a memória construída e confiada a estes museus. Por trás desta equação há inúmeros sujeitos cada vez mais fortalecidos: os profissionais e especialmente o público, cheios de aspirações, agindo como motores deste movimento. É a memória ativada pela criatividade no ambiente do museu que repercute na sociedade e promove mudança social.
Desde sua criação o Conselho Internacional de Museus tem sido palco de debates, ações, documentos e proposições essenciais para fazer dos museus o que eles são hoje: pontes entre culturas, instrumentos para transformações em micro e em macro escalas.
Nesta trajetória, o continente americano deu uma contribuição memorável pontuada em reuniões e documentos como o precursor Seminário Regional da UNESCO realizado em 1958 também no Rio de Janeiro, no qual o papel educativo e transformador dos museus já estava em destaque. Na seqüência de seminários organizados ao redor do mundo, veio a reunião que tem o título irrefutável de mais importante contribuição da América Latina para a Museologia internacional: a Mesa-Redonda de Santiago do Chile. Nela romperam-se o modelo adotado até então para os seminários, elegendo como língua o espanhol e colocando em papel de destaque a fala de intelectuais latino-americanos. Ruptura esta que não é demais esperar que inspire a primeira Conferência Geral do ICOM a ocorrer no Brasil, apenas a 2ª na América do Sul.
Ao educador brasileiro Paulo Freire foi confiada inicialmente a direção da Mesa-Redonda a ser realizada no Chile, então sob o governo da Unidade Popular. Entretanto, o Brasil vivia uma ditadura militar, e nosso delegado na UNESCO vetou esta representação, cabendo ao urbanista argentino Jorge Enrique Hardoy conduzir as discussões. Quando finalmente se realizou, em dias de maio de 1972, a Mesa-Redonda sobre o Papel dos Museus na América Latina apresentou uma grande e nova contribuição: a reflexão sobre a função social dos museus, sua inserção nas cidades em contexto de explosão demográfica, e a idéia de museu integral (ou integrado), sintonizado com os problemas da sociedade e capaz de atuar como instrumento do desenvolvimento.
Entretanto, é voz corrente que a Declaração de Santiago do Chile tardou a ser incorporada como uma referência no resto do mundo, ainda que ecomuseus, museus de território, museus comunitários e diversos outros modelos situados na chamada Nova Museologia ou em sua irmã caçula, a Sociomuseologia, tenham nela suas bases. Muito ainda deve ser impulsionado para alcançarmos nossa equação ideal. Mesmo que outro documento emblemático, a Declaração de Quebec (1984), tenha bebido naquela para a criação do Movimento Internacional para uma Nova Museologia, e que a Declaração de Caracas (1992) celebre seus 20 anos reafirmando princípios e o museu como meio de comunicação, é imprescindível pensar, passados agora 40 anos, sobre o que realmente ficou das aspirações de Santiago.
Existe, portanto, há décadas, um pensamento sobre museus e mudança social construído no continente americano. O Brasil atualiza este legado de uma maneira muito vigorosa. Vemos números crescentes de museus e de público de museus, com algumas das maiores visitações do mundo em exposições recentes desmentindo visões reducionistas de uma cegueira brasileira para com a cultura e os museus em particular. Temos uma Política Nacional de Museus apoiada em novos marcos legais, como o Estatuto de Museus e em diretrizes voltadas para um país de dimensões continentais, desafio quase incomparável. Conhecemos características singulares em nossa formação profissional com mais de uma dezena de cursos de graduação em Museologia, além de cursos de pós-graduação e técnico, e uma produção científica que se consolida e amplia a passos largos. Presenciamos o aumento exponencial de museus de território e museus comunitários, notadamente os museus de favela. Nossa experiência permite afirmar que partilhamos preocupações e desafios comuns aos museus do mundo todo, ao mesmo tempo em que temos particularidades a apresentar e discutir. Estamos abertos e muito desejosos por este encontro.
Olhando para trás, percebemos o quanto o campo ganhou com as distensões proporcionadas em Santiago. Com o olho no futuro, esperamos que a 23ª Conferência Geral do ICOM observe as especificidades de nossas cidades, nossas gentes, nossos processos de musealização, nossas experiências museais. Que os comitês internacionais, sabedores desta realidade, contemplem estudantes, comunidades e outros sujeitos interessados em dialogar com o ICOM nesta passagem pelo Brasil, que nosso sopro de criatividade e ousadia ressoe e distinga esta conferência de tudo que já aconteceu.
Manuelina Maria Duarte Cândido
Em nome da Subcomissão de Conteúdo do Comitê Organizador
Goiânia, 21 de outubro de 2012