Novembro configura-se um dos meses mais expressivos para a comunidade negra nacional. Comemora-se a resistência quilombola do maior reduto de luta anticolonial do país – o Quilombo dos Palmares. A data da morte de Zumbi, ocorrida em 20 de novembro de 1695, é oportunidade para rememorar as lutas Palmarinas e o legado de lutas ancestrais, passadas e atuais. Por isso, neste mês surgiu a Rede Museologia Kilombola sob uma perspectiva museal antirracista, a partir deste legado. Sendo assim, esta Rede é uma organização na qual descendentes negros da destruição colonial promovem ações que retomam a nossa herança epistêmica, tecnológica, social e histórica, e acolhem os corpos negros da Museologia, promovendo a resistência.
O grupo busca também criar possibilidades de provocar, instigar e construir uma análise crítica, contextualizada e prática do museu, da Museologia e suas áreas interdisciplinares, possibilitando reflexões sobre o direito à memória e à materialidade das produções orais e gráficas. É necessário que os corpos pretos, quilombolas e periféricos, debatam sobre o genocídio físico e epistêmico, este último realizado inúmeras vezes nas universidades.
Em sua maioria, os corpos negros presentes nas universidades federais brasileiras são da população pobre e periférica, que possui o direito político e dever social de acesso ao Ensino Superior – caminho para nossa emancipação histórica e econômica – desde de 2003, através do Programa Expansão Fase I das Universidades Federais, e, em 2007, com a criação do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Sendo assim, as vivências destes corpos na Academia vêm refutar os locais determinados para expropriação do conhecimento sintético (Acadêmico) e orgânico (Empírico).
Em um ano de existência, articulamo-nos para promover debates e conectar os nossos, seja através da série de lives promovidas via Instagram, como também por meio da participação em diversos eventos, em sua maioria virtuais, por consequência da pandemia. Atualmente, a Rede organiza a décima terceira edição da revista LGBTQ com tema: “Raça, Etnia e Sexualidade e Afeto: Quais memórias estão por vir?” e promove a série de lives comemorativas do nosso primeiro aniversário dedicadas às mulheres negras da Museologia.
Atualmente, a Rede Museologia Kilombola é composta por mais de quarenta pessoas, sendo a maior parte graduandos em Museologia na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI); bem como por museólogos e museólogas formados nos estados da Bahia, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina. A Rede funciona mediante Comitês, com decisões compartilhadas pelo grupo e de forma horizontalizada.
Compreendemos que nossas experiências como pessoas negras, advindas de territórios quilombolas, favelas e periferias, colaboram com a organização em grupo, que prima pela formação de base e diálogo, colocando-nos em oposição ao modelo de gestão hierárquica aprendida nos espaços de poder da branquitude.
Neste sentido, esta Rede atua na visibilização de protagonistas e referenciais negros que constroem novos discursos políticos, históricos, sociais e museológicos, e na desconstrução de discursos racistas e etnocêntricos sobre a população afro-brasileira. Estes sujeitos negros são agentes formadores de conhecimentos, através do diálogo realizado entre pesquisadores da mesma etnia e públicos diversos nos museus e nas universidades, promovendo a compreensão das narrativas construídas dentro e fora destes espaços oficiais.
Como museólogos(as) negros(as) em formação ou formados(as), apropriamo-nos do nosso lugar de fala, para reivindicar uma Museologia que seja comprometida, inclusiva, democrática e atualizada em relação aos protocolos e procedimentos técnicos adequados às coleções de acervos negros apresentados nos museus, centros de memória, memoriais, centros culturais públicos e privados. É importante enfatizar que a memória do povo negros em exposições de longa duração, curta duração e itinerantes não somente deverá ser lembrada pela tortura da escravidão. Somos plurais e reivindicamos o direito ao bem viver.
Neste mês tão simbólico, a Rede Museologia Kilombola deseja trabalhar em parceria com o Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus (ICOM Brasil) para desenvolver e difundir coleções, pesquisas e a produção científica sobre os saberes, histórias e ancestralidade do povo negro, propiciando debates afrodiaspóricos e o papel ético e de responsabilidade das instituições museológicas diante do racismo institucionalizado.
Acreditamos que a missão desta Rede é expandir as narrativas negras reais, que foram falseadas e apagadas pelas construções hegemônicas, falaciosas e tradicionais escritas e construídas nos museus. O antirracismo precisa ser a premissa da reconstrução de mundo.